terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Coração pernambucano









Festa e folia, arte e diversão, antigo e renovado, sagrado e esculhambado, é assim Pernambuco, ainda mais durante o carnaval

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Jornais, verdade e ficção



O que há em comum entre o fim de dois jornais na PB, o novo vespertino lançado por “O Globo” e um velho filme que demonstra o quanto perdeu a validade a expressão “parem as máquinas!”


A passagem do tempo dá novo sentido às palavras. E o que era uma expressão de quase júbilo pode se transformar em um lamento de fracasso. “Parem as máquinas!” era o lema sonhado por dez entre dez jornalistas do velho “A República” (Natal-RN) até o “New York Times”. Era a suprema aspiração de ter nas mãos uma notícia tão bombástica que valeria a pena o custo financeiro de suspender a impressão de um jornal pronto pra chegar às mãos do leitor. Pois a partir desta semana, com o fim das atividades de dois jornais tradicionais na Paraíba, aquela sentença ganhou o sentido mais literal e menos desejável possível: parem as máquinas, agora, significa isso mesmo. Fim. Adeus jornal. O modelo de negócios não se sustenta mais, embora ainda não saibamos bem como substituí-lo.

Mas tentativas existem, como mostra o lançamento, praticamente na mesma semana, de um outro jornal: o novo “vespertino” lançado em edição eletrônica para Ipad por “O Globo”. Diante da novidade, meus olhinhos viciados em letras impressas em papel ganham o brilho muito especial que dedicam às coisas às quais não tem acesso – ainda. Ocorre que a edição eletrônica de toda tarde que “O Globo” acaba de lançar só pode ser visto nos tablets de seu Steve Jobs. Quem usa tabuletas movidas ao sistema Android – que é o meu caso, com meu tablete tapuia da Sansung – fica excluído por enquanto. Sabe a sensação que você tinha por volta de 1981, quando surgiam as primeiras rádios em freqüência modulada em Natal e seu aparelhinho (como quase todos, então) só captava emissoras em AM? É mais ou menos o que acontece agora. Por muito menos tempo, já que a velocidade com que as novas mídias estão se impondo não tem nem comparação com aqueles tempos pré-web.

Fato é que o fechamento de “O Norte” e do “Diário da Borborema” é mais uma janelinha que se abre no raciocínio de quem acha que esse papo de internet substituindo a mídia impressa de cada dia não passa de visão apocalíptica dos mass mídia. Lógico que ninguém precisa fazer um circo da interrupção das atividades dos dois jornais paraibanos – cujo fim também contém, naturalmente e para além da questão tecnológica, o veneno que marca as administrações desastrosas dos Diários Associados – mas fechar completamente os olhos para este, como dizem mesmo?, “case” é transformar convicção em teimosia. Ali ao lado, na capital de Poti, o que vejo de férias é um cidade que não se interessa por jornais – e jornais que não se interessam pela cidade. Nas bancas, páginas e páginas tomadas por reportagens feitas sem paixão, relator impressos sem ambição, abordagens desprovidas de originalidade. Há uma exceção em Natal atualmente, que é o Novo Jornal feito com um mínimo de “olho torno” – algo como aquela nota “errada” que determina a originalidade da visão musical do músico de jazz. Mas isso fica limitado ao noticiário, digamos, “humano” que o jornal busca, sob a competente direção do nosso amigo Carlos Magno Araújo. Um esforço notável mas que visivelmente escorre pelas páginas como letras impressas em decomposição líquida quando vai se aproximando uma campanha eleitoral. As eleições são ótimas para a democracia de Poti – e péssimas para o jornalismo potiguar, eis a nossa contradição.

Mas a impressão geral é de que os jornais “da taba” (como diria Ailton Medeiros, numa provocação que diverte e faz pensar, ao mesmo tempo em que reafirmar à maneira do blogueiro o amor que ele, de fato, como nós outros, tem pela cidade) afivelou-se num modelo que mistura anúncios do mercado imobiliário com colunas sociais que se ofuscam e se anulam. É o modelo de negócios em vigor: resta saber se e por quanto tempo ele se mantém. Mirem-se no exemplo daqueles jornais da Paraíba.

Ou se espelhem na aventura de “O Globo” que, embora sustentado pela rede de televisão dos seus donos (como disse Paulo Henrique Amorim na entrevista a Paulo José Cunha, em cartaz no site da TV Câmara, aqui), sente-se cutucado e procura novas maneiras de se reafirmar. Vejam a ironia: o melhor jornal do país (nem que seja tecnicamente falando e politicamente à parte, mas cadê os outros?) não se dá ao luxo de ficar parado, enquanto no Nordeste ainda semi-rural em termos de hábitos de leitura os veículos ainda se apóiam em anúncios de prédios e colunas sociais. Quem poderia se sentir confortável e manter tudo como está vai à luta conquistar o leitor das tabuletas eletrônicas. Quem perde leitor dia a dia insiste no modelo fadado ao fracasso. Onde chegaremos?


Já que antecipar o futuro sempre contém também seus riscos – e tomara que esta especulação esteja errada – bora dar um rewind até o início dos anos 90. Qual o melhor veículo para isso? O cinema, ora. Porque ao mesmo tempo em que me entusiasmava com a possibilidade ainda distante mas quase certa de ler o vespertino eletrônico do “Globo” e em que me entristecia com a morte de jornais na Paraíba, coloquei  pra ver no DVD o filme “O Jornal” (direção de Ron Howard, 1994), uma comédia quase maluca mas razoavelmente intelectualizada sobre um daqueles tablóides sensacionalistas lutando para se manter vendável nas bancas. Um negócio muito anterior ao Murdoch dos grampos e seu jornal londrino condenado. Um lance de quando essa briga de sangue no jornalismo popular ainda rendia piada – e um bom filme.

Está em “O Jornal” a célebre frase: Michael Keaton, aquele que já foi um dos Batmans e que anda bem sumido das telas, tem a chance de pronunciar a sentença pela qual tantos ansiavam e que hoje ficou obsoleta. Por que alguém diria “parem as máquinas” na era do jornalismo de internet? É só botar a notícia no site. Melhor: é só postar na rede social. Não precisa nem ser jornalista. Não precisa parar nada. O mundo não se dá mais ao luxo de parar – e, neste ponto, isso é ótimo. Neste ponto, isso também mostra o quanto o universo do jornalismo impresso mudou, por mais que o João Teimoso se apegue aos padrões de antigamente.

Enfim, e como curiosidade, o bom é descobrir, pra quem tem mais de 40 anos e viu o filme na época em que foi lançado (em VHS, claro, que os cinemas, pelo menos os de Natal, já estavam tão fechados naquele período quanto os jornais da Paraíba hoje em dia) que nem tudo saiu como a memória, essa traiçoeira, apregoa. Keaton, sim, pronuncia a frase célebre, trepado na escadaria de uma máquina impressora: “Parem as máquinas” (logo depois de seu colega de redação sublinhar: “vai, diga a frase, é a sua chance!”).


Nem por isso as máquinas param assim no automático como sugere a nossa imaginação apressada. Necas: ele precisa quebrar um vidrinho como aqueles que guardam extintores de incêndio e pegar uma chave que, essa sim, tem poder de interromper a impressão em andamento do jornal. E, no caminho dele há vários obstáculos. Basta citar um (e quem tem mais de 40 e costumava assistir a filme em VHS nos anos 80 vai me entender prontamente): Glenn Close, a toda-poderosa da redação, a carreirista insaciável que quando chega no topo morre de tédio e se vinga em todo mundo em volta (aposto que quem tem mais de 40 e frequentou alguma redação dos anos 80 pra cá vai lembrar de alguém parecido). Enfim, o “parem as máquinas”, acreditem, acaba em luta. Um UFC homem-mulher sem o menor brio politicamente correto (e quem lhes fala é um fã do politicamente correto, mas isso é outro papo) muitos anos antes de Anderson-qualquer-coisa. Devo dizer que, sim, em algum momento, as máquinas param...

Quer saber mais? Corra pras Americanas (esse meu merchandising involuntário que tenho de fazer a propósito de nota de serviço) e compre, por módicas 12 pratas, esse casual clássico contemporâneo e veja como funcionava uma redação de jornal sem o menor sinal de internet por perto e onde a máxima concessão que se faz em termos de tecnologia é exibir repórteres falando em celulares do tamanho de um tijolo feito pelas olarias de Parelhas-RN. Quem sabe assim você se atualiza: se os jornais de fato ainda não tiveram o poder de abrir seus olhos para o poder dessa transição, quem sabe não o faz um reles jornal de ficção?