quarta-feira, 18 de abril de 2012

Titina X Socorro



Yes, nos temos Titina. A frase adaptada poderia estar escrita em faixas estendidas entre o Morro do Careca,em Natal, e o Bico do Papagaio, na área rural de Acari-RN, tal a expectativa que se formou em torno da aparição da atriz potiguar (e seridoense, e acariense, convém acrescentar pra todo mundo se sentir representado) Titina Medeiros na nova novela global das sete, “Cheias de Charme”. Se quisesse cultivar o cinismo reinante e pretensamente superior, poderia dizer que o fenômeno que antecede a novela e a presença de Titina no folhetim é apenas mais uma manifestação do nosso provincianismo tosco. Que toda vez que alguém diz no tuite ou no facebook que sente orgulho só de ver Titina nas chamadas do programa está expondo mais uma vez a nossa própria pequenez cultural.

Mas acontece que aproveitar o “caso Titina” para referendar novamente – e agora em escala de comunicação de massa – o cultuado complexo de inferioridade local (no que, claro, quem o aponta sempre se coloca acima dele, escapando do panorama da mediocridade geral) será apenas trovejar na tempestade – e, visto de outra maneira, incorrer no equívoco situado no lado inverso daquele desdém anterior. Ou se peca por deslumbramento, ou por apatia. Não existe possibilidade de transcendência no país do elefante. Soa redutor, ou não? Numa linha mais transversal que abarque tanto o excesso de expectativa que realmente existe (e pesa, quando não deveria) quanto qualquer reserva intelectual que afinal de contas desprezará Titina no pacote da novela como um todo e como gênero menor, pode-se tentar “pensar” o fenômeno social em termos mais específicos.

A palavra é “representatividade”: assim que foi anunciado que a atriz potiguar iria para a tela consagrada e disputada e superexposta da dramaturgia global, Natal, Acari, o Seridó, a classe teatral local, os jornalistas culturais, eu, você, todo mundo que conhece ou admira a energia que Titina transmite e exala nos vimos tomados por uma legítima ânsia de representatividade. Os baianos têm seu lugar no veículo de comunicação mais influente e massivo do país; os paraibanos aqui e ali enxertam alguém na tela platinada; os cearenses fazem a zorra classe C dos humorísticos – e nós, os de Poti, por que não abrimos uma porta que seja por lá?

Com Titina na novela, abriu-se esta porta – ainda mais quando o noticiário especializado aponta que ela está sendo vista como uma “aposta” da nova teledramaturgia classe C que a emissora vem explicitamente buscando. O que acontece a partir daí  é uma confusão até previsível: a “representatividade” potiguar de Titina na tela global é apenas simbólica (com o perdão do “apenas”, mas  a palavra aqui é necessária para o entendimento da comparação). E da maneira como o processo vem se dando, a pobre da Titina está sendo tomada pela nossa “opinião pública” quase como uma representante “política” do que somos no canal de comunicação que faz – ou pelo menos proclama fazer – a média do brasileiro em geral.

Aí surgem os problemas: o compromisso de Titina é com um personagem engendrado numa narrativa presa aos padrões do gênero novela. Dane-se então o realismo, a coerência externa (a interna é a que importa) ou qualquer outra forma de compromisso com o esperado papel de “nos representar”. Titina representa Socorro – e não a mulher potiguar, ou a atriz potiguar, ou a simpatia seridoense, ou ainda os pintas natalenses. Na medida em que ela não corresponder a essa expectativa externa, pode até ser rejeitada – ironicamente, por aqueles que, a conhecendo fora do contexto da novela, como pessoa e como atriz a quem nos acostumamos a apreciar, são os que mais gostam dela e os que mais esperavam da sua participação na Globo. Sim, nós mesmos, os potiguares.

De qualquer maneira, pelo que se viu nos dois primeiros capítulos – singulares para dar uma inicial e importante pincelada no personagem mas atomicamente minúsculo quando se pensa na extensão geral da narrativa – já dá pra arriscar ao menos um palpite, que por sinal recoloca o papel de Titina na novela e na real. É que, sendo a menos reconhecida pelo star system que caracteriza a dramaturgia global, Titina surge, entre as empregadas todas de “Cheias de Charme”, como a mais próxima do real. É a menos retocada, a mais rústica, a menos glamourosa. As outras são cheias de charme; ela é cheia de arestas que podem vir tanto do batismo de fogo da atriz numa nova forma de representação estética quando do enredo da novela propriamente dito. Se há alguma chance de realismo na chanchada televisiva que a novela assumidamente quer ser, vem da Socorro/Titina que representa as empregadas “do mal”: aquelas erráticas, que aprontam e não param em emprego nenhum. Isso pode se dar pela via da comédia, da novidade e da própria imprevisibilidade – esse bônus com que nem sempre as protagonistas, muito mais vigiadas pela expectativa do público, podem contar.

Com todas as limitações formais que uma novela impõe, aquele olhar entre desconfiado e agressivo que Titina/Socorro faz quando a patroa lhe apresenta a proposta de trabalho é muito característico de uma categoria profissional que, muitas vezes morando na casa onde trabalha, precisa dosar disponibilidade com precaução – numa equação de comportamento que busca o mínimo de distanciamento entre patrões e empregados. As empregadas domésticas em geral têm essa postura (pense nas que já lhe atenderam e examine se não foi assim  ao menos no início; se você é uma delas, certifique-se de que esses elementos fazem ou não parte do seu pacote de características quando assume um emprego novo). Rosto novo no vídeo, estreante na casa de milhões de brasileiros, Titina, desconfio, em que pesem as maldades de Socorro (em busca de um raio de sol que seja na sua janela, como bem caracterizou sua primeira fala), produzirá entre o público do programa – especialmente entre as domésticas – uma identificação maior, porque menos comprometida com o glamour mínimo que o gênero coloca nos ombros das três protagonistas.


Se uma novela sobre empregadas – mas divertida, pop, musical e arejada – é a novidade, Titina e sua Socorro podem ser o novo dentro do novo. Isso para o público em geral que não conhece a atriz nem a pessoa. Pra nós, potiguares ansiosos, o fundamental agora é prestar mais atenção em Socorro – que ainda vai desfiar sua história nos próximos capítulos – e menos em Titina.