quinta-feira, 29 de novembro de 2012

A economia nos tempos de Joelmir




Num tempo em que o jornalismo não era tão prisioneiro do formalismo e da uniformidade sufocante de hoje, Joelmir teve o bom gosto de salpicar estilo no gênero que parecia menos permeável à literatura - a coluna de economia. Brincou com palavras, amaziou-se ao vocabulário, provocou a linguagem para tornar não só mais didático - o que, não sendo tão difícil, também não é tão comum - mas sobretudo mais interessante e vívido o que seria um distanciado, frio e  antipático noticiário de economia. 

Joelmir fazia a gente entender as complexidades da terminal economia brazuca dos anos 80 e ia além: colocava sabor na leitura de setenças que nunca se rendiam às falsas facilidades do economês. O país podia estar à beira da falência, mas a coluna chegava a soar divertida sem ser cínica - outro desafio para os estáveis tempos atuais (os tempos são estáveis, apesar de toda a torcida contra). Nas mãos de Joelmir, os números viravam imagens por meio das quais as maxidesvalorizações do período soavam menos assustadoras, mais compreensíveis e muito, mas muito menos banais do que o quadro econômico em si tendia a deixar entender. 

Joelmir posando pra "Veja" em casa, teclando sua Olivetti portátil numa mesa no jardim, à beira da piscina: nada menos constrastante com o mau humor ressentido da crônica econômica atual. De um lado a cortesia ilustrada do velho comentarista; de outro os dentes afiados e a semigargalhada engatilhada no esgar da comentarista de rádio, jornal e tevê. Talves a era FHC e as inversões de prioridade econômica trazida por Lula tenha deixado Joelmir na poeira do vídeo, como apenas um rosto a mais na baixa audiência da Band de até um dia desses. Talvez a explosão de mídias, o rugido indistinguível de tantas vozes disputando a nossa limitada atenção tenha empastelado seu recado em meio a tanto barulho e nem tanta mensagem.

Há também o fato de a economia ter se tornado de tal maneira um assunto definitivo da vida do país que começamos a nos achar, nós próprios, especialistas no tema. E assim a gente foi deixando de vê-lo e de ler sua coluna já subtraída do impacto daqueles anos de quebradeira asssumida e brasileiridade constrangida. Tomara que sua saída de cena chame atenção para este fato: nossa sede de novidade vai colocando novos tijolos no muro e quanto se vê não se enxerga mais tudo de interessante que ficou para trás. De outra maneira, o Joelmir clássico de ontem seria uma referência mais forte para o volúvel jornalismo econômico de hoje, devastado pelas imposições de gabinete de uma editoria política viciada.

Sem falar na poesia improvável que o jornalismo econômico de Joelmir continha e emanava.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Trilhas de "Thriller"




O disco é de 1982, mas aqui abaixo do Equador ele tornou-se um chiclete sonoro absoluto em 1984. Eu fazia o primeiro ano de Jornalismo na Universidade Católica de Pernambuco e até hoje os mais fragmentários ruídos sonoros contidos em "Thriller" me lembram as ruas do Recife. A avenida Conde da Boa Vista em condições bem melhores para uma caminhada do que hoje, o cine São Luiz exibindo futuros clássicos como "Era uma vez na América" (Sérgio Leone), a rua do Progresso ainda abrigando o casarão vizinho à Cultura Inglesa onde eu morava (foi demolido e no lugar foi construída uma clínica médica), a simpática rua da Soledade que me levava direto ao campus da Unicap, todos esses cenários ganham uma musicalidade pretérita que vai de Michael Jackson a Beth Carvalho, cujos sambas também fizeram muito sucesso no carnaval daquele 1984. 


Tantos anos depois, o caso do disco "Thriller" - o mais vendido da história da música; 109 milhões de cópias no mundo todo - é emblemático sobre fenômenos como mídia saturada, qualidade que se mantém, como se firma um clássico e o que apenas vira pó na estrada difusa da memória. Ocorre que o disco desse Michael Jackson mais musical do que perfomático foi executado à exaustão nas rádios, retratado até o limite do insuportável em capas de revistas, explorado até onde foi possível no lugar e da forma que desse. A gente esquece, mas houve uma "febre Michael Jackson" naquele 1984 que não fica nada abaixo de certa "gripe Michel Teló" de ocorrência recente. A diferença, claro, é a música (como diz o slogan de uma bela rádio brasiliense que toca quase exclusivamente temas instrumentais).



O fato é que em meados de 1984 ninguém mais aguentava ver e ouvir Michael Jackson. Ele e as faixas de seu "Thriller" estavam em todas as rádios, todas as esquinas, todos os canais de tevê, que ainda eram poucos mas nem por isso menos insistentes. O negócio era tão sério que uma capa do jornal "O Pasquim" - que ainda existia e circulava naqueles idos - estampou a seguinte manchete: "A bunda de Michael Jackson". O notável, o impressionante - mas compreensível quanto se limita tudo à música e à dança do artista - é que "Thriller" tenha sobrevivido a tudo isso e se tornado o disco pop-clássico que é hoje. Demorei a comprá-lo: depois de anos ouvindo as faixas gravadas em fitas k-7 dispersas, só fui adquirir um exemplar completo em formato de CD, de que posso usufruir a qualquer momento, longe da agonia publicista daqueles tempos. E constatar: como é enérgica a saga sonora da faixa título, encerrada com aquela gargalhada que virou um dos ícone dos anos 80; ou como é bom marcar no pé a batida de "Billie Jean" - que Caetano Veloso recriaria em roupas sonoras brasileiras num de seus discos extraídos de shows de voz e violão -; ou ainda cantorolar em inglês de baiano o dueto com Paul MacCartney em "The girl is mine". 


Na torrente comemorativa pelo aniversário de lançamento de "Thriller", o site da livraria Saraiva juntou uma série de videos feitos a partir do repertório do disco. Está lá um dos mais tocantes, incisivamente sensíveis, momentos de recriação das faixas que juntas viraram o "Thriller": é Miles Davis interpretando "Human Nature", com aquele trompete que parece estar realizando uma delicada cirurgia nos órgãos da sensibilidade do ouvinte, enquanto distende, amacia, penteia e expande o andamento da canção. O video é o oposto da velocidade ansiosa do videoclip da faixa título, mas juntas, a agilidade de uma e a serenidade da outra dão uma ideia de como um disco pode deixar de ser apenas um chiclete insuportável para se tornar parte da trilha sonora de uma época. Basta que seja bom - e isso nem sempre é fácil.

Clássicos do Sopão


Já cansei de dizer que se o Rio Grande do Norte tem um hino informal - e, sendo assim, muito mais próximo ao coração potiguar - há de ser "Royal Cinema", de Tonheca Dantas, músico cujo próprio nome já é uma melodia sentimental-seridoenses por si só. A valsa de Tonheca é o nosso clássico absoluto, nosso canto wagneriano adaptado aos penhascos rajados que demarcam o país do Seridó dentro da nação potiguar. E se faz ainda mais forte, evidente e clarividente quando executada pelo sax de ouro Ivanildo - por sinal, outro nome bastante comum na região, embora o músico aqui destacado, me informa J. Epifânio na contracapa do LP, seja um cearense bem adaptado ao lugar de Poti. 

Retomando: se "Royal Cinema" já é, tocada por qualquer outro, uma bandeira de emoção fincada no peito seridoense-potiguar, ganha estatura ainda maior quanto interpretada  por Ivanildo. E quando a gente vai além e ouve o LP inteiro onde Ivanildo gravou este petardo emotivo de alta concentrabilidade musical, aí então as palavras escapam como as notas que o toca-discos vai depersando como pétalas de papel no ar. O disco inteiro, com sua icônica capa laranja, é um marco da memória, uma liga intuitivo-emocional que congrega toda uma comunidade por um lado, e você com você mesmo por outro. 

No lado A tem esta "Siboney" que o video do YouTube destaca e outros clássicos do bolero latino. Mas tem também a "Rosa" de Pixingiuinha.  E você (digo, eu) quando ouve pela primeira vez a versão de Marisa Monte com arranjo de Ryuichi Sakamoto fica se perguntando porque aquilo soa tão próximo, sem conseguir lembrar, pelo acúmulo e desgaste do HD da cachola, que conhece a música desde muito antes, via Ivanildo, esse nosso didata informal, educador musical cujos discos, por sorte, eram muito populares nas casas do Seridó quando o seu universo musical ainda era uma galáxia confusa em busca de alguma harmonia. E este lado ainda tem "Nada além", de Custódio Mesquita pra coroar a audição. 

O lado B começa animadaço com a gafieira buliçosa "Kazarão", da lavra do próprio Ivanildo, seguida por uma seleção de sambas aberto por um Ataufo de boa cepa ("Leva meu samba"). E fecha com "Royal Cinema", o que faz você virar o disco e ouvir tudo de novo, aprisionado na singeleza maneira e no sentimento dolentemente puro contido nas notas do sax de ouro. Grande disco, vastas memórias. Um clássico definitivo para o Sopão e para muito mais gente, acredito.  

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Imagine se fosse aqui


O cidadão mais rico do planeta sai de casa pra votar e tudo o que encontra são filas. Na zona eleitoral mais abastada do planeta, máquinas de votar movidas a perfuradores medievais que...dão tilt. Na ilha mais platinada da galáxia, o "sistema", acredite, também fica fora do ar. E em lugares mais remotos, embora ainda nos domínios do país mais opulento da via láctea, aparelhos de votação promovem fraudes: você - você não, que é brasileiro e está fora dessa bagunça; eles, os americanos - vota em Obama e a máquina converte sua escolha para... como é mesmo o nome do perdedor? Ou faz o contrário. A ordem dos fatores não importa tanto quanto o efeito em si da fraude operada.  Tudo isso a gente leu nos jornalões ao longo do noticiário sobre as eleições americanas. Sempre, o tempo todo, gritando, implicando ao pé do ouvido, uma variação daquela perguntinha que de tão chata já vai virando piada - o destino de toda implicância associada ao exagero: "imagine se fosse no Brasil".

Se você é do tipo que lê jornal com a tevê ligada, é capaz de ter tido sua leitura atropelada por um muito interessante anúncio de televisão, daqueles que conseguem captar, mais do que qualquer jornalista intelectualmente superequipado, o espírito do momento. Ou, no caso, do futuro - o que é ainda mais difícil: o anúncio da cervejaria Brahma que se diverte em contestar, argumento por argumento, toda a campanha de senso comum sobre o desastre que será a Copa no Brasil, o eterno despreparado. Os anúncios da cerveja rebatem a autodepreciação de quem se julga superior ao país onde vive com afirmações enfáticas e antropologicamente elementares: teremos aeroportos cheios, sim, de torcedores animados; ruas congestionadas também, de brasileiros e estrangeiros vivendo a festa do campeonato. Um colunista na revista Época já havia dito o mesmo, contrariando meio mundo e o resto do que se escreve nessa publicação da editora Globo: que a Copa vai ter sim seu componente de bagunça brazuca, mas que ainda assim será a mais calorosa que já se viu, num evento que poderá até não ter o rigor planejado de um campeonato em terras alemãs, por exemplo, mas vai encantar os estrangeiros com as compensações que temos, como povo e nação, a oferecer em troca. Claro que ele disse tudo isso com outras palavras, mas o sentido era por aí. 

E no entanto não se lê, nas páginas do jornais, nenhum jornalista tendo ataques de indignação diante do sistema eleitoral que rege (?) a votação que escolhe o presidente dos zéua. Aquela síndrome do "a gente não sabermos escolher presidente / a gente não sabemos nem escovar os dentes" que soava divertida nos anos 80 e hoje é só um eco do conservadorismos de rockeiros saudosos da fama jamais é aplicada a qualquer nação do dito primeiro mundo. A gente fala grosso pra denunciar nossas mazelas de estimação, mas não temos gogó algum quando se trata de ficar pelo menos perplexos diante das filas que enfrentaram para votar em Mitt Romey os ricaços de Manhatan, do sistema fora do ar que trucidou a paciência dos velhinhos de Nova York Citi, dos cowboys do interiorzão americano que votaram num candidato só para a máquina registrar a escolha do outro. Imagine se fosse no Brasil. Imagine.

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Filmes tristes



Desde "Coração de luto", também amplamente conhecido como "Churrasquinho de mãe", um filme não me deixava tão triste, abatido, desesperançado. Não importa que, ao final de tantos desencontros, Luiz Gonzaga pai e Luiz Gonzaga filho acabem se entendendo. Encerrada a sessão, impõem-se as sombras do conflito, muito mais do que os clarões do desfecho. Não é que seja ruim, mas "Gonzaga - De pai para filho" é um dos filmes mais tristes dos últimos anos. 

Não é nem que seja melodramático - o que evidentemente ele é, e nem sempre isso é um defeito pra quem, como eu, é chegado ao gênero - mas a carga de infelicidade contida no novo Breno Silveira deixa (pelo menos pra mim; mas ouvi comentários semelhentes de desconhecidos ao deixar a sala) uma espécie de adesivo de sofrimento colado no juízo sentimental de quem o assistiu como poucas vezes acontece. O filme acaba na tela mas o mal estar lhe acompanha pelo resto do dia (pior pra mim que peguei a primeira sessão, às duas da tarde).

É como se "Gonzaga" fosse um melodrama aditivado, a um passo do desfalecimento puro e simples. Nem a participação muito especial de um cômico tarimbado como João Miguel, com aquela cara de nordestino pebado e metido numa enrascada de fazer o cabra se mijar de sufoco, consegue espanar tal  tristeza. Há por aí muito filme cabeça dotado também de uma angústia aniquiladora, coisa muito classuda e distanciada, mas este "Gonzaga" deixa qualquer um no chinelo: é quase sensorial em sua melancolia (e o uso desta palavra, juro, não é uma tentativa pura e simples de citação do filme de Lars Von Trier que eu nem vi; embora tenha visto um outro, também da leva dos filmes de chorar do cineasta nórdico, "Dançando no escuro", estrelado pela cantora pop Björk).

Não deixa de ser sintomático que, na enciclopédia dos filmes tristes brasileiros, este "Gonzaga" rime com ou me faça lembrar, de cara, aquele "Coração de luto": no antigo Teixeirinha, a dor vinha da perda da figura da mãe; neste é a ausência do pai, biológico ou não - não importa, a chave do filme se torce no final para demonstrar. É como se o diretor de "Dois filhos de Francisco" voltasse a assentar os tijolos de uma muralha chamada cinema-popular-sentimental-brasileiro que, a despeito do desprezo blasé de quem não liga mesmo para a comunicação direta com o povão, existe sim, é sólido e, embora fique esquecido durante décadas, quando reaparece demole com uma enxurrada de lágrimas os quebra-mares da mais avançadinha estética cinematográfica a se insinuar nas fitas brazucas.



Uma última nota sobre o filme (veja o trailer acima) vem, claro, da plateia: meus cabelos brancos nunca haviam se sentido tão jovens quanto no lugar onde se reuniram umas 40 pessoas para assistir ao filme sobre Gonzagão e Gonzaguinha. Foi a plateia mais, vá-lá, idosa que já vi na vida. Minto: a plateia de "Coração de luto" que lotava todas as sessões do velho cine Rex, em Parelhas-RN, provavelmente igualava com a deste filme recém-lançado - o que representa uma liga a mais entre as duas produções. Então: "Gonzaga - De pai pra filho" renova a - abaixa aí que lá vai um clichezão de arrepiar os cabelos - "linha evolutiva" do cinema popular brazileiro, atualizando para as plateias atuais o que "Coração de luto" representou. Dá até pra ir um pouquinho mais longe e dizer que se trata de um fenômeno de certo neotropicalismo bem apropriado ao Brasil atual que, enfim, começa a se aceitar como um país multifacetado (como queriam os tropicalistas antes de envelhecerem, certo, bem?). 

Mas tudo isso são elaborações a posteriori quase fúteis diante da tristeza do filme. Por mais que tente, não esqueço a frase que ouvi de uma espectadora ao final da sessão. Acompanhada pela mãe de seus 70 e tantos anos, não pude deixar de reparar quando ela comentou, na mesma sorveteria onde tentava, como eu, adoçar a alma após o amargo da exibição: "Ele (Gonzagão) nunca foi feliz. Teve sucesso mas não a felicidade". Poderia ser uma legenda inscrita no clip final que o filme exibe para mostrar a difícil mas afinal alcançada harmonia entre pai e filho no palco da música e da vida. 

No que este nordestino "Gonzaga" amazônico também estebelece laços com outro afluente do mesmo gênero do cinema popular brasileirão - os títulos de extração espírita. Pois "Gonzaga - De pai pra filho" consegue superar outro campeão de bilheteria, "Nosso lar", em sua saga de dor e sua teimosia em mostrar que, por mais difícil que seja, é irrenunciável a busca do entendimento entre gente desencontrada. A tristeza, diria o compositor quase citado ao longo deste texto, é senhora do filme. E os filmes populares brasileiros parecem cantar: "desde que o cinema é cinema é assim". 

*Abaixo, trecho do primeiro "Coração de luto", que teve uma refilmagem em cores alguns anos depois:



Terra








Com os pés bem firmes no chão do Conjunto Cultural da República, muita gente voou por sobre a Terra. Esse foi o efeito proporcionado pela exposição “A Terra vista do céu”, com as fotos do francês Yann Arthus-Bertrand encavaladas em tamanho ampliado, numa autêntica fila de imagens boiando sobre o pátio de concreto que serve de base ao museu e à biblioteca no centrão de Brasília. São imagens captadas do alto de helicópteros, aviões e – aqui a artimanha mais poética – balões. Panoramas que mostram o chão que pisamos, seja o Rio de Janeiro, um deserto chileno ou uma aldeia no Chade, de uma maneira incomum, sob um ponto de vista às vezes desconcertante, a partir de um olhar quase sempre inesperado. Basta dizer que esse chão, muitas vezes, mostram as fotos, pode não passar de água.

Mas o atrativo não vem apenas pelo fato de se tratar de fotografias captadas do alto – um plano elevado bem pouco fixo, que tanto podia ser o que parecem quilômetros da Terra, a ponto de fazer a imagem lembrar mais um mapa do que uma visão literal; quanto descer a uma distância segura e solidária o bastante para espelhar o encantamento mútuo entre a câmera e um olhar humano de fato aqui embaixo. Mas, dizia-se, o fascínio da distância em altitude é um primeiro atrativo quase irresistível, embora não esgote o interesse de quem contempla as fotos da exposição. Quando isso acontece, o curioso dá lugar ao gregário: é quanto nos pegamos vasculhando a paisagem em busca de algum referencial de dimensão que nos proporcione a medida certa daquelas aparições.

Quase sempre isso acontece quando se vê, em meio à paisagem física, uma intervenção humana – quando não o nosso próprio semelhante nas diversas formas que ele assume conforme a regionalidade enquadrada. E é aqui que “A Terra visto do céu” se faz mais o planeta com que lidamos no chão do dia-a-dia: quando há gente nas fotografias. São poucos, mas, de tão significativos, a pequenez dessa gente nas fotos converte-se em uma estranha forma de gigantismo. Somos imensos nas fotos de Bertrand, embora nelas apareçamos nas mais diminutas dimensões, aquelas que a paisagem requer. Há várias  leituras possíveis para quem se posta diante dos mil e um pôsteres da  mostra que passou semanas atraindo visitantes à Esplanada dos Ministérios em Brasília. Mas entre o libelo ecológico e o registro do quanto belo este planeta ainda pode ser em meio ao nosso desespero ambiental mal administrado, fico com o canto antropológico que as imagens evocam: a Terra vista do céu dá a nossa dimensão de homens, pequenos ou gigantes conforme a estatura do olhar que dirigimos a nós mesmos.