domingo, 13 de janeiro de 2013

PIRANGI, PRAIA


Para o natalense que por um tempo eu fui, Pirangi nunca passava do bairro. Pìrangi, o conjunto na zona sul, passagem para o Serrambi do amigo Jano Sérvio - ali onde Natal terminava num manto de matas. Nova Parnamirim não era nem uma possibilidade, quanto mais uma ocupação algo desordenada. Pirangi, Praia; essa era uma estranha tão distante quanto aquela mesma Nova Parnamirim ainda não edificada sobre a trilha de areia que viraria a ser a Maria Laderda. Isso quer dizer que levei anos, décadas para botar os pés na areia daquela Pirangi feita reduto da classe média. Precisamente, foi o que fiz nos últimos dias. Até então, Pirangi, Praia era um casario tumultuado perto de um grande cajueiro no caminho para outros lugares. E antes, bem antes, eu era estudante, de extirpe carente, morador da Residência Universitária Campos I, apartamento 11, onde cabiam outros cinco semelhantes a mim. Nossa praia era a Ponta Negra das antigas barracas, pré-CVC. Pirangi não era citada, não entrava nas conversas, não fazia parte do universo.

Pirangi, Praia era apenas um cartão postal - e mesmo desse eu lembrava tão pouco. Um negócio da era da infância, quando uma prima residente em Natal enviou pra nossa casa esse cartão onde se via uma enseada quase falsa de tão bonita, uma visão impossível bordada por areia branca, água calma e rio de desenho de escola. Aquilo existia? Quem podia ir até lá? Aquilo não podia ser pra gente. Durante anos o cartão com essa praia absolutamente mitológica ficou guardada na caixa de retratos, com dedicatória no verso, exemplar raro de algo incomum para a nossa rua sem calçamento, nossa casa de banheiro no quintal. E lá ficou, talvez ainda esteja entre nas pastas que habitam as gavetas da casa de minha mãe.

Agora, por uma gentileza sem preço do casal Lúcia e Lucas, tios de Rejane que mantêm um apartamento na colônia de veraneio da classe média natalense, lá fomos nós. No final do ano passado, numa festa de reveillon a que fomos convidado pelo mesmo gentil casal, já tínhamos tido uma prévia da areia fofa da praia, do estranho ar convidativo da parte de Pirangi que se nos apresenta em forma de mar aberto, de uma amplidão que a curva superpovoada de Ponta Negra nem sempre nos oferece mais. Agora, como fomos num meio de semana (algo me diz que entre sexta e domingo o padrão animatício é outro), pudemos descer tranquilamente à praia, respirar seu vento de fim de tarde, divertir o olhar com as manobras dos praticantes desses novos esportes que misturam empinar pipa com pendurar gente sobre as ondas do mar, dar um passeio a pé até passar por baixo do pier comprido da Marina Badauê. Os vendedores de CDs e picolés sempre dão um jeito de interferir na trilha sonora joãogilbertiana do vento puro com seus forrós liquefeitos em barulho, mas nada que chegue aos píncaros da tortura sonora que domina outras plagas e praias. Enfim, até essa interferência contribuiu para que enfim eu pudesse dissolver num copo de agradável  realidade o mito de Pirangi, Praia. Mito é importante pra guarneceer a imaginação, mas o Real é outra praia onde o nosso pé também precisa pisar. Obrigado, Tia Lúcia e Lucas.

NO BALANÇO DO POTE


Forró bom é que nem o da água dos sertões - do Pote. A casa de música regional de Pium, litoral sul de Natal, está fazendo nove anos neste 2013, e só agora Rejane conseguiu realizar um projeto que tem quase dez anos - justamente o de me levar lá. Fomos ontem à noite, guiados pelo Google Map numa estrada sem sinalização alguma: mineiramente escondido nos grotões altamente urbanizados da praia de Parnamirim, encontramos este simulacro de vila matuta em forma de quadrado fechado, com vendas de bebidas e acepipes nas beiradas, toldos com mesas de plástico pelo centro e um dancing tipo cassino na área nobre, abaixo de um palco nada espetaculoso mas de muito bom tamanho. O Forró do Pote tem as medidas certas, nem tão exagerado nem tão estreito, um público visivelmente cativo e nenhuma fila incômoda. Milagre nestes tempos de massificação geral e multidões em busca de diversão eletrocutada, tudo lá nos soou tranquilo, caseiro, arejado e espaçoso. Muito bom o Forró do Pote.

Mas, veja mesmo: tinha horas em que parecia que a gente estava em Brasília Citi, num soiré do Clube da Previ, reduto dos iniciados nas coisas da Velha Guarda que encontram uma música suave e um dancing tão cassino quanto em beiradas outras, as das quadras 700-900 da Asa Sul. O nome já entrega - abreviação de Clube dos Previdenciário, palavra-instituição cuja breve pronúncia já deixa transparecer o avançado da idade - o espírito do lugar. Lá no dancing candango temos, às noites de sexta-feira, casais descansados de filhos crescidos e netos buliçosos, músicos de camisas estampadas, música nunca posteriores à década de 80, e o atrativo extra de várias "individuais" exibindo-se na pista sem medo de ser ridículas - e não são, que alguma espécie de elegância noturna anima suas almas dançantes. Pois, uma vez no Forró do Pote, parecia que era no Clube da Previ que a gente estava: os mesmos casais experientes, cabeleiras grisalhas de rostinho colado com madeixas habituadas aos rituais da pintura, um ar doméstico, e várias "individuais" sobraçando braços, pernas e meneios de quadris entre os quatro cantos da murada. Mocreário de responsa, que esse também é um elemento obrigatório deste tipo de ambiente. A diferença era só o repertório: mas alguma coisa me diz que mesmo no Clube da Previ a banda da noite sempre arranja um jeito de encaixar uma sessão rítmica de forró, do tipo clássico, o que aproxima ainda mais os dois lugares.

Danceteria brejeira, com uma mestre de cerimônias de fala calorosa, o lugar recebeu ontem a presença do astro regional Geraldinho Lins, de quem temos um CD sumpimpa adquiro nas gôndolas oportunistas da incansáveis Lojas Americanas. Outros forrozeiros locais abriram a noite, frequentada por tipos tão caracteríticos que não havia como não designá-los por um apelido de uma noite que seja. Havia, então, bem perto da nossa mesa, um Joaquim Barbosa circunspecto acompanhado por uma ex-sílfide dos anos JK, hoje redimensionada pelas plásticas da idade. Casal calmo, de poucas danças, esparsas conversas, platonicamente admirando o show de forró. Animado era o clone de Lewandowski mais à frente: um velhinho que não se entregava fácil e dançava o tempo todo. Com um bela e espadaúda morena, Lewan estava nos cascos ontem à noite: dançou até no intervalo entre os shows, sem deixar de dispensar nem mesmo o play-back. Ôxe, e play-back né música não, menino? Data-vênia, forrozeiro!

O esquema de consumo é que nem em quermesse de São João em Brasília: você comprar as fichas e depois troca pela bebida ou comida que deseja adquirir. E o repertório? Onde é que eu iria imaginar que um clone metropolitano de forró de pé de serra iria tocar para o público dançar novos clássicos da música nordestina como "Banquete dos Signos", "Abri a Porta" (copiando milimetricamente o arranjo do disco original de Dominguinhos, um brinde extra à minha memória) ou - o hit inesperado na noite, que fez todo mundo levantar e sair em caminhadinha de passo de quadrilha para a pista - "Frevo Mulher". Ouvindo esta última e apreciando a animação geral que ela provocou, tirei minhas previ-conclusões: aquele pessoal todo tinha que ter 13 anos em 1979, quando o "Frevo Mulher" que Zé fez para a então mulher Amelinha gravar estourou no último carnaval da década da nossa tenra infância. Vida longa ao Forró do Pote: e dia 2 de março tem Flávio José - se a gente estivesse aqui, ia, se ia, e como ia.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

A ADOLESCÊNCIA DAS FINANÇAS


Juventude mais tecnologia turbinada com dinheiro é igual um mundo congelado pela frieza dos sentimentos, esvaziado pelos aspiradores dos sentidos, retocado pelas impressões do que não vai além da mera aparência. É o mundo de “Cosmópolis”, o filme de David Cronemberg que compõe uma instigante parábola do mundo tecno-financeiro-juvenil atual, num tipo de cinema-ensaio que se no impactante tratamento visual lembra um Stanley Kubrick de ótima cepa, no texto propriamente dito emula o mais reflexivo cinema dos anos 90, como “O hotel de um milhão de dólares” de Wim Wenders.
Mas isso são só referências, porque este “Cosmópolis” está trincando de tão novo quanto se trata de ler a reluzente algaravia sociofinanceira dos nossos tempos de neoprotestos e riqueza ostensiva tão proclamada quanto revestida de sentimento de culpa. “O que significa gastar dinheiro”, pergunta uma Juliette Binoche provocativa como uma das inúmeras passageiras da limusine atarantada de Robert Pattinson. Pelos seus bancos isolados do caos lá fora passeiam outros convidados, cada um despejando no ambiente à prova de som externo suas teorias esparsas sobre mercado, estilo, tédio, capitalismo e prazer.
O rosto naturalmente meio robotizado do vampiro Pattinson cai à perfeição nesta parábola que destila luxo e decadência ao mesmo tempo, enquanto usa os ratos como metáfora para o poder da grana asséptica que circula entre operadores. Uma cena inteira costura a provocação, compondo um jogral em que o rato assume o valor de papel moeda, título financeiro, valor de face e poder de compra. Nas dezenas de diálogos que pontuam e sustentam as idéias do filme, especula-se sobre o poder até gramatical das declarações econômicas, quando um personagem decreta com propriedade sobre os especulativos tempos atuais: “Toda economia ficou em suspenso porque ele (um poderoso ministro de finanças) respirou fundo (antes de responder a uma pergunta)”.
E tome teses sobre o dinheiro, que, “assim com a pintura, perdeu sua capacidade narrativa”. É daí pra frente o nível da sessão, como se o sistema inteiro estivesse usando o carrão do protagonista como divã de análise planetária. E o protagonista faz por merecer, exibindo como prêmio indesejado um vazio tão grande que o faz igual, similar, embora em pólo oposto, aos ativistas quase infantis que se aprazem em estourar tortas nos rostos dos ricaços. O manifesto verbal de um deles após este terrorismo inocente é de um caráter tão patético quanto a apatia de Pattinson – e de um equilíbrio fino; um tom a mais e seria comédia pura, mas é evidente que não é disso que se trata.
Quem leu as toneladas de textos publicados quando o filme foi lançado sabe que, narrativamente comprimida, a história mostra um megamilionário das finanças tecnovirtuais atravessando o caos de uma cidade dentro de um carro isolado de tudo e de todos para ir cortar o cabelo num bairro distante. Pois é lá, no dito barbeiro, que encontramos a razão de sua teimosia: está ali, numa espécie de relicário analógico conservado com visual de instagram em sépia, o pouco de memória afetiva que lhe resta. O barbeiro, amigo do pai, relembra os tempos de taxista – tão diversos daquele freqüentado pelo protagonista.
No balanço final, ocupa toda a tela a imaturidade daqueles que enriqueceram quase ao deixar as fraudas, por artes de um sistema que tem pressa e já não consegue ver graça nem no dinheiro que produz e reproduz. Uma adolescência financeira que, de outra maneira, também atinge quem está do outro lado da barricada – os ativista de tortas de chocolate. Pior para suas vítimas de mais idade, como o personagem de Paul Giamatti com quem Pattinson tem seu enfrentamento final. E a quem aconselha, ciente de que, mesmo imaturo na experiência, vive com a mente cravada por uma indesejável intuição: “Há muito pouco nessa sociedade que você precisa odiar”. Um recado para os muito ricos, os muito pobres e aqueles de extrato quase sempre médio que insistem em denunciá-la o tempo todo. Não que estejam errados – mas nem por isso deixam de fazer parte dela, é o que parece nos dizer “Cosmópolis”.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

OS LIVROS QUE O SOPÃO LEU EM 2012


  • ENTREVISTAS COM OS ESPÍRITOS - Antonio Carlos com Psicografia de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho
  • 1958 - O ano que não devia ter acabado - Joaquim Ferreira
  • GETÚLIO - Dos anos de formação à conquista do poder - Lira Neto
  • CINCO SEMANAS NUM BALÃO - Julio Verne
  • A CULTURA DA CONVERGÊNCIA - Henry Jenkins
  • DEPOIS DO FUNERAL - Agatha Christie
  • A MANSÃO HOLLOW - Agatha Christie
  • O EVANGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO - José Saramago
  • CAIM - José Saramago
  • COMO VER UM FILME - Ana Maria Bahiana
  • ENSAIOS DE ESTÉTICA - José Ortega Y Gasset
  • AS TEORIAS DA CIBER CULTURA - Francisco Rüdiger
  • A BOA VIDA SEGUNDO HEMINGWAY - A. E. Hotchner
  • AS NEVES DO KILIMANJARO E OUTROS CONTOS - Ernest Hemingway
  • UMA BREVE HISTÓRIA DO SÉCULO XX - Geoffrey Blainey
  • O JOGO DA GATA-PARIDA - Luiz Gutemberg
  • SILVIO DE ABREU, UM HOMEM DE SORTE - Vilmar Ledesma
  • A PRIMAVERA DO DRAGÃO - Nelson Motta
  • CONTOS ABENSONHADOS - Mia Couto
  • UM CONTO DE DUAS CIDADES - Charles Dickens
  • TERRAMAREAR - Ruy Castro e Heloísa Seixas
  • O VERSO E O BRIEFING - Clotilde Tavares
  • BIOGRAFIA PRECOCE - Fernando Meirelles
  • O LIVRO DO BONI - José Bonifácio de Oliveira Sobrinho