quarta-feira, 26 de junho de 2013

Embolou




 Contra tudo o que está aí, aqui estou eu. Mastigando exoesqueletos do quinto milênio da correção política que fizeram a gentileza de suportar as agruras do nosso tempo só pra antecipar entre nós os avanços neocivilizatórios. E engasgando com chicletes sabor clichê a cada página virada, cada click no face, cada passo à frente no cursor do twitter. Melhor não começar pelo óbvio: vamos, antes, ao que ninguém esperava (nem a turma do quinto milênio; ou sobretudo a turma do quinto milênio). É Obama, o ex-ban-ban-ban da modernidade enfiada à força nas cucas dinossáuricas dos caretas. Quem, me diga, quem poderia imaginar que uma personalidade tão-tão da política pop planetária passaria tão assim-assim da  condição de mito vivo para a de lixo roto? Como é que se dá uma transformação dessa escala? Não é pra desconfiar de que, independente do sujeito, há que se buscar melhores explicações nos processos? Vejo o mergulho subterrâneo da reputação de Obama e me vem à mente a figura de Marina Silva. Quem ainda vai ligar o nome à pessoa? O quanto do desconhecido e inesperado fundamentalismo espião de um Obama poderia encontrar ressonância num possível manifestar das firmes convicções de uma Marina presidenta? Não estou sendo claro? – então está muito bem, que o propósito nem esse. Quer clareza? Vá ler as placas da manifestação mais próxima.


Na capa do Correio Braziliense e na primeira página interna do jornal, surge um extraterrestre: é Dilma, rindo. Em duas – duas! – fotos. Na capa e lá dentro. Na capa, ao lado de Joaquim Barbosa, que de comediante não tem nada. Lá dentro com os representantes dos manifestantes que não têm representantes – esqueça esses detalhes e vá direto ao ponto – inclusive inclinando levemente a cabeça para um lado, numa expressão que além do riso denota também um certo espírito meio Brasil carinhoso. O que João Santana não fizer multidão nenhuma nas ruas será capaz de realizar. Pessoal, eu apoio Dilma, viu? (não viu? Leia o post “Assim a meta estoura”, de umas premonitórias semanas atrás) Mas dispenso esse riso pré-eleitoral: prefiro que ela demita o adesista global Paulo Bernardo e passe a ouvir mais um santo entronizado no Palácio do Planalto chamado Gilberto Carvalho. Precisa ir pra rua pra conseguir isso? Vou não, coração – que a idade dinossáurica implanta desconfianças de tal ordem no meu espírito que me permito assistir a tudo com o pé direito atrás. Se você quer ir, vá sossegado, que eu não vou jamais lhe tomar à força a bandeira invisível que você carrega às vezes sem notar.


E se não vou, pior pra mim, que perco amigos, contatos, reputação. Emprego? Seguramente não, que este eu consegui na disputa legítima do concurso público que agora também deram para difamar . E ainda tenho que ficar me explicando – supremo prazer para quem tem o mau hábito de corrigir o outro de dez em dez minutos. Fazer o quê, se o brasileiro teve um surto de cidadania e um bando de gente à sua volta resolveu que quer ser Edward Snowden a qualquer custo... Cada povo tem o uiquiliquis  (thanks, Mussum) que merece, diria o cínico – mas se há algo que me causa repulsa é a figura do cínico; então retiremos o que por último foi dito. Até porque, se é para dividir a humanidade em turmas, se é para contemplar a multiplicidade de questões e estilos, dinamitando com um novo web-iluminismo certo bipartidarismo prático que levamos anos – e muito sangue – para construir, vamos  partir logo para a facilidade do bolebolenses x saramandistas. Sim, cada geração tem o “Anos Rebeldes” que é capaz de entender – sai pra lá, cínico de bosta, você já não foi expulso desse post, não lhe tomamos a bandeira debaixo de porrada? Ora... Eu só fico me perguntando – eu, meu dinossaurismo renitente e minhas perguntas! – quem fará, ou já fez mas nem notou, o papel de liga camponesa do atual momento político. E veja que agosto nem chegou, com o julgamento dos embargos do mensalildo, esse menino fofinho que a gente trata a pão de ló, belezura que sempre pode crescer e gerar filhos, netos, bisnetos. Tem importância não; agora e logo mais, contra tudo o que está aí, eu ainda estou aqui. Pode me tomar a bandeira rasgada e baixar a porrada.

terça-feira, 18 de junho de 2013

O protesto, a política e o consumo




Abaixo, trecho de entrevista do professor José Garcez Ghirardhi, publicado no caderno "Aliás" do Estadão desse domingo. É a avaliação que mais se aproxima do que penso sobre a onda de protestos. A mim, ao contrário de muita gente, as manifestações - mesmo pacíficas, não é este o ponto; e não acredito que ninguém em sã consciência seja favorável a repressão policial - inspiram mais apreensão do que entusiasmo. Ainda acredito, apesar de tudo, na democracia representativa (consciente de que ela é limitada), no exercício dos três poderes, na institucionalização que a cidadania precisa ter, na tolerância e na ponderação. E, diante dos primeiros protestos, minha primeira impressão era de que, por mais legítimo que seja o grito pró-educação e saúde pública, há aí um modismo avassalador - e tão mais potente quanto mais antipático passa a parecer qualquer questionamento dirigido a ele. O que o professor da entrevista faz (íntegra agora só buscando no Google, digite o nome do professor, "aliás" e "Estadão" que cai lá) é, como especialista muito superior à minha baça pessoa, configurar muito melhor a questão: os protestos podem ser sintomas do que chama de redução do exercício da política uma forma peculiar de consumo. Vejo isso a torto e a direito nas minhas vizinhanças pessoais e profissionais. O fato é que o novo manifestante será cada vez mais celebrado como o distinto, o esclarecido, o intelectualmente superior, o descolado. E, em meio à política e tudo o mais, o que vejo dia após dia é que as pessoas são capazes de se matar para parecerem superior aos seus vizinhos. Nem que seja só um pouquinho ("eu sou mais avançado que você, viu?") Passarei a respeitá-los mais ainda quando, no caso dos estudantes, fecharem suas matrículas nas escolas particulares mais disputadas e se juntarem aos alunos das escolas públicas (esses, felizmente, beneficiados com a movimentação toda). E pra fechar, lembro uma feliz frase que acabei de ler no excelente livro "O Fole Roncou", de Carlos Marcelo e Rosualdo Rodrigues (o tema não tem nada a ver com os protestos, mas a frase, dita por Luiz Gonzaga em outro contexto, o musical, é matadora): "Cuidado com a moda. Ela passa." Segue o trecho da entrevista:

Por que a dinâmica dos protestos mudou?

Tem a ver com a forma como estão se organizando as relações sociais hoje em dia. As pessoas conseguem se unir para uma ação pontual, com interesse específico e efêmero, mas não construir projetos consensuais. Isso ocorre porque a relação de consumo se tornou a relação matricial da nossa sociedade. Quando você compra um produto, está desinteressado de todo o longo processo que o levou às suas mãos, envolvendo escolhas, sacrifícios de pessoas, etc. E assim que aquilo satisfaz sua necessidade imediata, você o descarta sem preocupar também com consequências. De certa maneira, há uma relação de consumo com a política hoje. As pessoas estão consumindo política, não produzindo política. Elas não se envolvem nos processos de negociação, nem têm participação efetiva nas tomadas de decisão. Quando vem um resultado - um produto - que elas não gostam, reclamam com enorme intensidade. Mas depois, na hora de construir, que é muito mais difícil, pois pressupõe articulação de interesses diferentes, não conseguem avançar.