quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Castelos de Casares


Há literaturas que mais parecem arquiteturas. Construções narrativas feitas por caminhos geometricamente tão necessários ao efeito final que soam menos como contos do que como esculturas. Histórias que evocam a poesia concreta; causos que emanam números literalizados; histórias sustentadas em pilares verbais que o leitor quase consegue tocar com os olhos. São assim as "Histórias fantásticas" do argentino Adolfo Bioy Casares, patner literário de Jorge Luiz Borges que aqui exercita esse meio termo entre letra pura e cinema de mistério, ambientando tudo num espécie de pampa universal que trespassa o rio da Prata, tangencia o Uruguai e corre em zique-zague pelo nosso Rio Grande do Sul.

Numa das histórias, acompanhamos o discurso agressivo de um quase panteísta cético contra o monoteísmo cristão, em argumentos duelados com um adversário a princípio não identificado e cuja revelação mostrar-se-á, com o perdão da mesóclise, a laje literária da narrativa toda: é o próprio diabo enfezando-se para defender a existência de um único Deus, ainda que este seja seu adversário primeiro e total. Em outro, de extração que lembra as brumas absurdas e sufocantes de "O Castelo" de Kafka, é a real identidade de um assassino que ludibria com gosto mesmo o leitor mais prevenido: a graça literária aqui está na qualidade dos enganos que Casares consegue produzir usando apenas a matéria elástica das palavras, frases, parágrafos.

O livro é pura mistificação iluminada, prestidigitação verbal, manipulação perdoada de quem sabe erigir de um arranjo de palavras um castelo de impressões, apenas pela volúpia de demolir tudo na penúltima página. E o prazer final é todo seu, leitor.

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