domingo, 12 de maio de 2013

ASSIM A META ESTOURA






Assim não tem centro da meta que se aguente no lugar. Não é uma questão de preços, mas de paciência. Coalizão a gente suporta, mas toda tolerância tem limites. Então dona Dilma chama o vice de Picolé de Xuxu pra dar uma força à micro e pequena empresa. Eu acho que quando se trata de tucanos e agregados nunca podemos falar em qualquer coisa que seja micro ou pequena – a soberba política dessa turma impede qualquer redução, além de causar outros tipos de cegueira social bem conhecida por prejudicar a saúde do país.

Então dona Dilma manda dona Gleisi, bonita que só uma paranaense disparada nas pesquisas eleitorais, dizer amém aos caras do agronegócio na Câmara, garantindo que eles não terão problema nenhum quando se trata de brecar as demarcações de terras para os novos silvícolas. Ah, bom. E não é só isso não: a Funai que fique na dela, que quem entende de problema social é a Em-bra-pa! An-ran...

Tem centro da meta que aguente? Isso aí é inflação para mais de ano – mas não de preço. É inflação de incoerência, de desvirtuamento, de olhar pro lado. Quem olhar bem, pro centro, vai ver que há em andamento no território brazuca, especialmente naquele triângulo, quadrilátero ou decilátrero, sabe-se lá, formado entre o Palácio do Planalto, o STF e o pombal de Tancredo uma outra coalização paralela – e muito mais orgânica quando vista por dentro – entre ruralistas e evangélicos doidinhos para cercar aqueles gramadões do centro de Brasília e incrementar os próprios interesses.

Desde o início desta gestão presidida por Henrique Alves que vem crescendo como bolo fermentado na Câmara certa interseção entre deputados dos dois gêneros – não confundir com outras coisas, pera lá – que pode, aí sim – e não como diz a ladainha de costume – afastar o Legislativo do povo. São duas grandes bancadas informais – a frente evangélica que avança como uma sombra comportamental e política, de um lado, e os ruralistas calçando as botas de um fortalecimento de que pouca gente se deu conta.

Só agora que o esforço para deter as demarcações indígenas ganhou as manchetes é que a ficha começa a cair. Mas o processo começou há algum tempo e vem sendo defendido abertamente, por exemplo, pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), ruralista que assumiu no início do ano o comando da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia. Ninguém percebeu porque todos os olhares estavam voltados para Feliciano – um fenômeno mais fácil de narrar, explicar e angariar audiência.

Aí o pessoal fica com obsessão pelo tomate, pelo partido de Marina, por Gilmar Mendes – tudo coisa velha, passada, distração para a plateia enquanto o que interessa segue sua marcha rumo a um tipo de regressão tão ardiloso quanto cadenciado. Quer outro exemplo? O ministro Paulo Bernardo, outrora um petista carrancudo dos bons e imune a qualquer suspeita, garantindo aos capas pretas da televisão no Brasil que “o projeto de Franklin (Martins, de regulação das comunicações) está definitivamente descartado”. É bonito isso? Tem que parar tudo, dar um freio de arrumação, quem sabe até perder uma grande eleição como a do próximo ano para que o pessoal caia na realidade sem rede de proteção. Lula, sempre ele, continua sendo minha última esperança. E, no varejo, Gilberto Carvalho que está sempre por perto pra garantir o que for possível. Mas não tem sido fácil.

A TV que não se vê


Glauber, Nelson e Cacá na direção; Yoná, Geraldo, Jardel e Autran em transe diante das câmeras;  Sérgio Ricardo pilotando uma trilha sonora como um visionário violeiro cego, Rogério Duarte criando cartazes que viravam instataneamente esboços gráficos do momento histórico; todas essas mil e uma facetas do movimento conhecido como Cinema Novo são conhecidas, batidas, lidas e relidas, condenadas e redescobertas, estudadas e cultuadas à exaustão. É difícil acreditar mas do meio dessa barafunda de gente, idéias, imagens e linguagens que se fundiam em um período peculiar para cultura brasileira ainda é possível pinçar nomes menos conhecidos cuja importância foi tão grande para a criação daquela estética quanto a roupa de cangaceiro que Dona Lúcia costurou e Othon Bastos vestiu nas várias e várias e várias epifanias de "Deus e o Diabo"; ou a confusão político-cultural de Paulo Martins incorporada por Jardel Filho em "Terra em Transe". A pessoa tem nome e papel bem definido nessa história: Dib Lutfi, o fotógrafo que entendeu mais do que qualquer crítico a função da maneira brasileira de criar algo novo a partir da mera, mas instigante, falta de recursos para ser resolver um problema que a técnica negava à estética.

Dib Lutfi é o fotógrafo por trás das imagens de "Terra em Transe", o cinegrafista capaz de se entontecer sem perder o foco - não da imagem, atente, mas da idéia enquadrada - junto com o ator em decomposição no fundo das objetivas. Era o cara que nunca dizia não, que sempre encontrava un jeito - o "jeitinho brasileiro", visto sempre como algo pejorativo por quem insiste em demonizar o próprio povo. Pouco valeria a intenção comunicada com caótico poder de sedução pelo diretor se o ator não sintonizasse suas terminações nervosas com o que o filme lhe pedia. E - aqui entra a importância deste Dib tão pouco lembrado até mesmo nos mil e um documentários, reportagens de tevê  e livros sobre o Cinema Novo - de nada valeria também se o fotógrafo responsável pela imagem que definiria em arte final essa profusa confusão de conceitos, vivências e sensibilidades que era aquele cinema também não caísse ele próprio em transe junto com ator e diretor. 

Esse nome meio esquecido do cinema novo está aqui para que se fale de um canal de tevê alternativo - desses que programadoras como a NET inclui em seus pacotes - que tem o poder de dar ao país o conhecimento sobre figuras como Dib. Foi no "Curta!", canal que recentemente caiu no meu pacote caseiro sem qualquer comunicação (imagino que para cumprir itens da legislação que obriga a inclusão de percentuais de produção nacional na programação), que assisti a um longo e detalhado documentário sobre Dib Lutfi. 

Zapeando, encontrei um outro canal próximo deste "Curta!", que, por sinal, ainda falando dele, havia visto em pacote diverso do meu na casa de Titina Medeiros, onde assisti a um belo doc em curta metragem sobre um maranhense que de tanto cismar em atuar no cinema acabou fazendo carreira como ator de filme pornô e estava muito entusiasmado com a empreitada; história narrada em um filme quase todo feito num único take do camarada pedalando uma bicicleta contra um poente de "...E o vento levou". 


O segundo canal dedicado à cultura brasileira e afins a que me refiro aqui chama-se Arte+ e tem uma programação que igualmente recupera, exibe, dá visibilidade a filmes dedicados ao melhor da música brasileira, do cinema, da literatura. Algo parecido com o que o próprio Canal Brasil também acaba fazendo. A diferença é que nestes canais menos conhecidos há uma  aparente maior liberdade, que imagino decorrente do próprio descompromisso com a busca da audiência pura e simples. 


Mas é preciso zapear, procurar, fuçar usando o controle remoto para encontrar essas novidades onde se pode assistir às melhores velharias. Onde qualquer um de nós pode assistir ao filme "Doramundo", que João Batista de Andrade fez no final dos anos 70 e não se acha em VHS, DVD ou no YouTube na íntegra? Pois é um dos destaques do "Curta" - que por sinal acaba de ganhar uma página no Facebook, procure lá. Este é um material que infelizmente não interessa à TV aberta convencional brasileira e nem mesmo aos canais fechados cada vez mais dominados pela estética de certa histeria audiovisual de filme de super-herói americano feito para criar franquias que significam verdinhas (e eu aprecio alguns, mas a questão não é essa). 

Esse movimento, reflexo das mudanças na legislação que tanta gente critica sem parar um tantinho assim pra pensar (apenas reproduzindo o discurso das grandes redes), ocorre sem que haja propaganda, divulgação, incentivo: canais como o Curta!, como o Arte+, como o próprio Canal Brasil, assim como a programação de final de semana e dos horários menos concorridos politicamente da TV Câmara (onde há muita jazida de ouro televisivo à espera de coletores menos apressados) são biscoitos finos. E quanto mais o são, menos interessa ao sistema convencional de televisão voltado para o consumo levantar o cartaz dessas emissoras. Muito menos à imprensa que se julga tão responsável pelos rumos do país. Nem a universidade que como altar sacrossanto do rigor subestima tanto do que é feito na medida da paixão. 

Este é um tipo de programação que parece só interessar aos malucos, distraídos e vorazes - o público que não tem pudor de apenas tangenciar a tal da normalidade. Grupos, tribos, clãs que vão se formando por aí. Enquanto isso, o silêncio que condena as audiências de tais canais ao traço é como um grito ensurdecedor contra a nossa mediocridade dia a dia cada vez mais burilada. Eu sei: renda é importante e sensibilidade não traz dinheiro. A esta altura dos tempos, bem que essa equação já poderia ter sido mudada. Curioso é que, dessa maneira oblíqua, a lei esteja ajudando, embora quase ninguém seja informado sobre isso. Se a gente lembrar que exatamente quem tem o papel social de informar não tem o interesse econômico e político de cumprir sua obrigação fica mais fácil de entender - mas ainda assim difícil de aceitar.