quarta-feira, 24 de julho de 2013

Igrejinha



Domingo passado teve missa bilíngüe aqui na capelinha do Sudoeste, cidade-bairro de classe média abastada de Brasília. Trechos da celebração foram replicados em inglês. Parece que ninguém estranhou muito, já que a igrejinha de madeira que serve à restrita comunidade de católicos semipraticantes aqui deste canto do Sudoeste é mesmo dada a umas inovações. Vizinha do Cruzeiro, o bairro-cidade fronteiriço mais popular e completamente distinto do esnobe Sudoeste, a igrejinha é uma obra sobre a qual nem se pode dizer que parece nunca terminar: na verdade, ela parece nunca começar. Mas funciona bem como um barracão dono de uma freqüência fiel a ponto de suportar a alternância de discurso que não se vê facilmente na política. Lá, domingo sim, domingo não quem celebra a missa é um padre mais velho, conservador, durão, castiço, para o qual este governo não merece a menor confiança. Mas também domingo sim, domingo não, quem está à frente do altar é outro padre, mais moço, mais aberto, mais tolerante e também mais incômodo, que não se sabe bem porque insiste em lembrar aos fiéis que essa história de corrupção não é só uma abstração política  – passa também pelo plano pessoal de cada um deles. Bilíngue, portanto, a igrejinha do Sudoeste sempre foi.
Naturalmente, o fato de a missa ter sido rezada em português-inglês e inglês-português agrada à parte dos fiéis que leva a vida segundo o catecismo do estilo e do consumo típicos do Sudoeste. Este é, definitivamente, um bairro bilíngüe. Não é apenas o fato de a missa de domingo passado ter se dado às vésperas da Jornada Mundial da Juventude que explica essa tecla SAP adaptada ao cotidiano fervoroso da fé. O problema é quando a globalização plenamente incorporada ao dia-a-dia de uma comunidade em vários sentidos cheia de si contraria a nova onda que vem do Vaticano. Pois enquanto os neofiéis se diferenciam das ordas de evangélicos ignorantes, fanáticos e de português mal escrito – inclusive os ricaços, ocupantes de outra igreja na mesma rua deste mesmo Sudoeste – pelo exercício da capacidade de falar outras línguas (nada  ver com o ato fundador da fé carismática, por favor), o chefão-geral rema na contramão dessa tendência. Pois o grande diferenciador do Papa Chico não é a exacerbação da simplicidade?  E agora, o que fazer com a nossa sofisticação atávica? Desperdiçar é que não vamos. Não seria nem muito cristão.
Por essas e outras, o Papa Chico é um fenômeno muito interessante: acusado de ter colaborado com a ditadura argentina, foi pedra no sapato dos Kirchner ao mesmo tempo em que se notabilizava por andar de metrô e morar num apartamento simples em Buenos Aires. Canonizado – digo, eleito papa – levou este estilo para o topo do Vaticano e trouxe de volta a idéia de uma igreja determinada a combater a riqueza desigual e a pobreza ostensiva. Enquanto isso, trava sua luta intramuros contra a máfia dos cardeais-burocratas envolvidos em escândalos meio sexuais, meio financeiros. Um coquetel de contradições, indefinições, impasses e retratações que não tem como não jogar seu protagonista para o alto das atenções públicas mundiais, sejam religiosas ou não. De uma maneira ou de outra, ninguém – no Sudoeste esclarecido ou no Cruzeiro acariocado – vai mesmo tirar os olhos dele.
Agora, pensando bem, se é pra dar um caráter mais cosmopolita a algo que em si é por princípio um exercício do que há de mais particular – a fé religiosa – bem que os padres binários da igrejinha do Sudoeste (e se você quiser ler o termo igrejinha em sentido paralelo é por sua conta) bem que poderiam ter acrescentado um idioma mais apropriado ao modo de ser de Papa Chico. Missa em espanhol teria muito mais a ver, pois não?

quarta-feira, 17 de julho de 2013

IMPORTADOS




Somos contra a importação de médicos. Terminantemente contra. Também não admitimos a importação da dignidade. Somos igualmente refratários à importação de tratamento igualitário para todos. E absolutamente avessos à importação de qualquer forma de reserva aos historicamente menos favorecidos em universidades, no mercado de trabalho, no painel geral de possibilidade de ascensão social e outras subjetividades do tipo. Contra a importação do bom senso, não à importação dos direitos iguais, veto à participação no debate público de quem não tem prestígio nos meios de comunicação.

Nem por isso você precisa nos taxar de intolerantes, politicamente fechados ou xenófobos. Somos totalmente favoráveis à importação de carros de luxo, perfumes, roupitchas e outros supérfluos que de uma hora para outra, você sabe, tornam-se absolutamente necessários. É o tipo da importação que não machuca ninguém, não altera nada, não coloca pobres contra ricos, não provoca manifestações de qualquer espécie. Também somos favorabilíssimos à importação do bom gosto, do jeito exclusivo de se viver, da fama e da fortuna – para quem tem berço capaz de acomodar bem essas virtudes natas. 

Dito isso, tudo é negociável, que é pra que ninguém pense que somos o retrato emoldurado do atraso: que tal, por exemplo, substituir essa absurda importação de médicos pela saudável exportação dos doentes? Eles vão achar o máximo sair dos rincões que por sinal deveriam ser mantidos ecologicamente intocáveis e serem jogados no seio da civilização. Cada posto de saúde no grotão mais renitente poderia se transformar em posto de recrutamento. Algo assim como um neo-pau de arara. Uma alternativa não só de saúde mas também de vida para esse pessoal. Uma gente doente que, assim como as criancinhas miseráveis do Nordeste que tantos europeus caridosos tentam sem sucesso adotar, poderia ter ao menos uma chance na vida. Sem precisar de médico, de cotas ou das tais políticas públicas. Curtiu?