quinta-feira, 5 de outubro de 2017

SÓ NOS RESTA O VERÃO






Este ano, vamos cobrar uma velha dívida dos cariocas

Os cariocas são minha última esperança. O verão carioca. Os modismos do verão carioca. Nunca eles foram tão necessários - porque ousados, irreverentes, loucos e irresponsáveis. É disso que a família brasileira mais precisa agora, nesta triste reta final não apenas de um ano, mas de uma série deles ao longo dos quais fomos atingidos por péssimas notícias encadeadas, ondas de intolerância compactadas e um bafo de atraso como jamais imaginamos. Pois ninguém melhor do que os cariocas para dar um chega pra lá nisso aí.

E eles nos devem isso: durante anos, décadas, séculos, fomos obedientes e fiéis seguidores das invenções que os cariocas nos traziam a cada verão: teve o do topless, o da lata, o do primeiro Rock in Rio, o do "Carnaval no fogo", que foi tão bom que virou livro, com esse título aí, escrito por Ruy Castro. Se durante tanto tempo fomos leais súditos dos verões cariocas mesmo morando a quilômetros de distância - em lugares onde havia outros modismos mas sem a menor chance de concorrer com aqueles propagados pela máquina de informações que vinha do Jardim Botânico, o bairro - então não será abuso nenhum cobrar a conta agora.

É assim mesmo: contas se cobram em momentos difíceis, quando tá todo mundo por um fio. E nesta hora em que nossa malemolência tropical está sendo ameaçada como nunca imaginamos pela rigidez de pastores milionários ou aspirantes a tanto, por arremedos de políticos que tisnam uma atividade que originalmente é das mais necessárias e por subcelebridades que não se conformam com o anonimato depois de famas fúteis justo naqueles libertários anos 80, então vamos passar a régua e exigir a conta: cariocas, ao trabalho, já – que dezembro está estourando aí.


Que nos apresentem, como contrapartida a tanta agressividade autorizada, burrice proclamada e moralismo de ocasião um verão escandaloso, performático, fútil como tem que ser mas divertido como se espera – numa palavra, bárbaro, para espantar os caretas de uma vez.

Um verão selvagem é o que pode nos salvar – ou, pra também não falar em termos tão definitivos que de fato não combinam com a estação – ao menos deter um pouco o neonazismo brazuca como um bloco de carnaval que para o trânsito impaciente da avenida Presidente Vargas.

Então, cariocas, vocês nos devem um baita de um verão. Usem o que for preciso: um novo biquíni, um point inesperado, um movimento que coloque aquela gente toda na praia diante de um adversário comum  (apitos sempre podem ser recuperados), o Cristo, o calçadão, Leila Diniz, a Rocinha, a Globo, o diabo. Mas nos entreguem aquele verão atrevido, barulhento e determinado a fazer a diferença que fez valer ao Rio a fama de capital cultural de um país em ruínas.



2 comentários:

  1. Parabéns pelo novo Sopão do tião, com textos que precisamos ler todos os dias
    Romário, do site www.brasiliarios.com

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